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terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Defenestração - De Luis Fernando Verissimo

É impressionante como na internet as coisas aparentemente sem nenhuma ligação intrínseca acabam encontrando ou até mesmo criando tal conexão. Este post exemplifica bem isto. O conto que postarei logo abaixo é um conto de Veríssimo que li muitos anos atrás em uma das suas antologias de contos (ou crônicas? acho que são crônicas, né?), da qual não lembro o nome, mas lembro claramente que era hilário (como vocês conferirão por si mesmos mais adiante). Pois bem, hoje, menos de 60 minutos atrás, estava acompanhando minhas atualizações do Twitter, quando um site de apologética cristã que eu sigo, o Genizah Virtual mandou um texto que continha um link para este site onde estava a crônica publicada na íntegra. E assim nasce o post nº1 de 2011. Espero que leiam e gostem. E depois de lerem e gostar muito, visitem o Gambiarra's Blog, leiam, se divirtam e comentem (nem precisam se limitar aos MEUS posts, viram como sou bonzinho?).

Boa crônica per tutti.

Defenestração - De Luis Fernando Verissimo

"
Defenestração – Luis Fernando Veríssimo
Certas palavras tem o significado errado. Falácia, por exemplo, devia ser o nome de alguma coisa vagamente vegetal. As pessoas deveriam criar falácias com todas as suas variedades. A Falácia Amazônica. A misteriosa Falácia Negra.
Hermeneuta deveria ser o membro de uma seita de andarilhos herméticos. Onde eles chegassem, tudo se complicaria.
- Os hermeneutas estão chegando!
- Ih, agora que ninguém vai entender mais nada…
Os hermeneutas ocupariam a cidade e paralisariam todas as atividades produtivas com seus enigmas e frases ambíguas. Ao se retirarem deixariam a população prostrada pela confusão. Levaria semanas até que as coisas recuperassem o seu sentido óbvio. Antes disso, tudo pareceria ter um sentido oculto.
- Alo…
- O que é que você quer dizer com isso?
Traquinagem deveria ser uma peça mecânica.
- Vamos ter que trocar a traquinagem. E o vetor está gasto.
Plúmbeo deveria ser barulho que um corpo faz ao cair na água.
Mas, nenhuma palavra me fascinava tanto quanto defenestração.
A princípio foi o fascínio da ignorância. Eu não sabia o seu significado, nunca me lembrava de procurar no dicionário e imaginava coisas. Defenestrar deveria ser um ato exótico praticado por poucas pessoas. Tinha até um certo tom lúbrico. Galanteadores de calçada deveriam sussurrar ao ouvido de mulheres:
- Defenestras?
A resposta seria um tapa na cara. Mas, algumas… Ah, algumas defenestravam.
Também podia ser algo contra pragas e insetos. As pessoas talvez mandassem defenestrar a casa. Haveria, assim, defenestradores profissionais.
Ou quem sabe seria uma daquelas misteriosas palavras que encerram os documentos formais? “Nesses termos , pede defenestração..” Era uma palavra cheia de implicações. Devo até tê-la usado uma ou outra vez, como em?
-Aquele é um defenestrado.
Dando a entender que era uma pessoa, assim, como dizer? Defenestrada. Mesmo errada era a palavra exata.
Um dia, finalmente, procurei no dicionário. E aí está o Aurelião que não me deixa mentir. “Defenestração” vem do francês “Defenestration”. Substantivo feminino. Ato de atirar alguém ou algo pela janela.
Ato de atirar alguém ou algo pela janela!
Acabou a minha ignorância, mas não minha fascinação. Um ato como esse só tem nome próprio e lugar nos dicionários por alguma razão muito forte. Afinal, não existe, que eu saiba, nenhuma palavra para o ato de atirar alguém ou algo pela porta, ou escada a baixo. Por que então, defenestração?
Talvez fosse um hábito francês que caiu em desuso. Como o rapé. Um vício como o tabagismo ou as drogas, suprimido a tempo.
- Lês defenestrations. Devem ser proibidas.
- Sim, monsieur le Ministre.
- São um escândalo nacional. Ainda mais agora, com os novos prédios.
- Sim, monsieur lê Mnistre.
-Com prédios de três, quatro andares, ainda era possível. Até divertido. Mas, daí para cima vira crime. Todas as janelas do quarto andar para cima devem ter um cartaz: “Interdit de defenestrer”. Os transgressores serão multados. Os reincidentes serão presos.
Na Bastilha, o Marquês de Sade deve ter convivido com notórios defenestreurs. E a compulsão, mesmo suprimida, talvez ainda persista no homem, como persiste na sua linguagem. O mundo pode estar cheio de defenestradores latentes.
- É essa estranha vontade de jogar alguém ou algo pela janela, doutor…
- Humm, O Impulsus defenestrex de que nos fala Freud. Algo a ver com a mãe. Nada com o que se preocupar – diz o analista, afastando se da janela.
Quem entre nós nunca sentiu a compulsão de atirar alguém ou algo pela janela? A basculante foi inventada para desencorajar a defenestração. Toda a arquitetura moderna, com suas paredes externas de vidro reforçado e sem aberturas, pode ser uma reação inconsciente a esta volúpia humana, nunca totalmente dominada.
Na lua-de-mel, numa suíte matrimonial no 17º andar.
-Querida…
- Mmmm?
-Há uma coisa que preciso lhe dizer…
-Fala amor.
-Sou um defenestrador.
E a noiva, na inocência, caminha para a cama:
- Estou pronta pra experimentar tudo com você. Tudo!
Uma multidão cerca o homem que acaba de cair na calçada. Entre gemidos, ele aponta para cima e balbucia:
- Fui defenestrado…
Alguém comenta:
- Coitado. E depois ainda atiraram ele pela janela.
Agora mesmo me deu uma estranha compulsão de arrancar o papel da máquina, amassa-lo e defenestrar essa crônica. Se ela sair é porque resisti."

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Luis Fernando Veríssimo - Solidão

Olá, meus poucos e (cada vez mais)queridos leitores. Já faz um bom tempo desde a última postagem, não? Pois é... Fui e voltei de viagem e nem escrevi nada. Tenho MUUUUUUUUUUUITO ainda para escrever a respeito dessas férias. Prometo que o farei em breve, mas não AGORA. O post de agora será diferente. Lembram quando postei um conto de humor/ficção científica de Luis Fernando Veríssimo? Pois é... Aqui está mais um conto DO MESMO LIVRO, chamado "Solidão". Espero que gostem, e PROMETO que o próximo post será sobre as férias (curiosidade mata, né?)!

Solidão - Luis Fernando Veríssimo

Finalmente liberadas as gravações que a NASA fez das experiências realizadas com o tenente da Marinha John Smith para testar o comportamento humano em condições de completo isolamento durante longos períodos de tempo, iguais ao que o homem terá que enfrentar na exploração do espaço. O tenente Smith foi escolhido pelas suas perfeitas condições físicas e mentais. Foi colocado dentro de um simulador de vôo com comida bastante para dois anos e os instrumentos que normalmente levaria numa missão, inclusive um computador. Todos os dias Smith teria que fazer um relatório verbal para que seu estado fosse avaliado. O que segue são trechos das gravações feitas dos seus relatórios.
Primeiro dia. “Meu nome é John Smith. Estou ótimo. Passei todo o dia me familiarizando com este meu pequeno lar. Já desafiei o computador para uma partida de xadrez. Acho que nos daremos muito bem. (Risadas.) Só tenho uma queixa: esta comida em bisnagas não se parece nada com a comida de mamãe... (Risadas.) Dois mais dois são quatro. Encerro”.
Uma semana depois. “John Smith aqui. Continuo muito bem. Ainda não consegui vencer nenhuma partida de xadrez deste computador. Acho que ele está trapaceando. (Risadas.) Três vezes três é nove. Encerro”.
Um mês depois. “(Risadas.) Meu nome é John maldito Smith. Tudo bem. Um pouco entediado, mas tudo bem. Consegui finalmente ganhar uma do computador, embora ele negue. Vou ter que derrotá-lo de novo para convencer este cretino. Calculei mal e já comi todas as bisnagas de torta de maçã. Agora só tem maldito limão. Dois vezes três são, deixa ver. Seis. Quer dizer... Não. Está certo. Seis. Encerro”.
Dois meses depois. “Vocês sabem quem eu sou. John qualquer coisa. Não agüento mais a arrogância deste computador. Ele não é humano! Insiste que me deu xeque-mates inexistentes e se recusa a admitir que está errado. Tivemos uma briga feia hoje. Dois mais dois são... sei lá. Encerro”.
Quatro meses. “Alô. Tenho provas irrefutáveis de que o computador está tentando boicotar esta missão! Ouvi claramente ele dizer alguma coisa desagradável sobre mamãe. Canta Strangers in the Night em falsete e não me deixa dormir. Não me responsabilizo pelo que possa acontecer. Estou muito bem, lúcido e bem disposto. Com licença que estão batendo na porta”.
Sexto mês. “Meu nome é Smith. Maggie Smith. Por hoje é só”.
Oitavo mês. “(Risadas)”
Nono mês. “Smith aqui. Aconteceu o inevitável. Matei o computador. Estávamos com um problema, onde colocar as bisnagas vazias, e ele fez uma sugestão deselegante. Agora está morto. Não tenho remorsos. Ontem recebi a visita de um vendedor de enciclopédias. Não sei como ele conseguiu entrar aqui. Dois mais dois geralmente é nove. Encerro”.
Décimo mês. “Meu nome é Brown ou Taylor. Um mais um é umum. Dois mais dois, não. Iniciei um projeto importantíssimo. Com as bisnagas vazias e partes do computador, estou construindo uma mulher”.
Um ano. “Redford aqui. Sinto falta de um espelho para poder ver a minha barba, que está bem comprida. A mulher que fiz de bisnagas vazias e partes do falecido computador ficou ótima mas, infelizmente, nossos gênios não combinavam. Ela foi para casa de seus pais. Dois mais dois...”
Décimo-quarto mês. “Minha barba está tentando boicotar a missão! Faz um estranho barulho eletrônico e várias vezes já tentou me estrangular. Deve ser comunista. Começaram a chegar as enciclopédias que comprei. Tenho jogado xadrez comigo mesmo e ganho sempre”.
Décimo-quinto mês. “Aqui fala Zaratustra. Atenção. Encontrei pegadas humanas dentro da cabine. Estou investigando. Mandarei um relatório depois. Duas vezes três é demais. Encerro”.
No dia seguinte. “Grande notícia. Há outro ser humano dentro da cabine! Seu nome é Smith, John Smith, mas como o encontrei numa terça-feira o chamarei de “Quinta”. Ele não fala, mas joga xadrez como um mestre. (Risadas). Talvez tenha que matá-lo”.
Neste ponto, os cientistas da NASA acharam melhor abrir a cápsula. Encontraram Smith com as mãos em volta do próprio pescoço gritando: “Trapaceiro! Trapaceiro!”

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Os homenzinhos de Grork

Boa noite, pessoal. Para quem ainda não sabia, havia um boato, circulando na net, que dizia que uma australiana havia recebido uma comunicação psíquica de viajantes espaciais que chegariam à Terra em 14/10 e deixariam sua nave visível por três dias. Como podem ter percebido, NÃO ACONTECEU! Então vou desabafar meu desapontamento quanto a isso com um conto de Luis Fernando Veríssimo que cabe BEM para a situação:

OS HOMENZINHOS DE GRORK - Luís Fernando Veríssimo

"A ficção científica parte de alguns pressupostos, ou preconceitos, que nunca foram devidamente discutidos. Por exemplo: sempre que uma nave espacial chega à Terra vinda de outro planeta, é um planeta mais adiantado do que o nosso. Os extraterrenos nos intimidam com suas armas fantásticas ou com sua sabedoria exemplar. Pior do que o raio da morte é o seu ar de superioridade moral. A civilização deles é invariavelmente mais organizada e virtuosa do que a da Terra e eles não perdem a oportunidade de nos lembrar disto. Cansado de tanta humilhação, imaginei uma história de ficção diferente. Para começar, o Objeto Voador Não Identificado que chega à Terra, descendo numa planície do Meio-Oeste dos Estados Unidos, chama a atenção por um estranho detalhe: a chaminé.
― Vi com estes olhos, xerife. Ele veio numa trajetória irregular, deu alguns pinotes, tentou subir e depois caiu como uma pedra.
― Deixando um facho de luz atrás?
― Não, um facho de fumaça. Da chaminé.
― Chaminé? Impossível. Vai ver o alambique do velho Sam explodiu outra vez e sua cabana voou.
― Não. Tinha o formato de um disco voador. Mas com uma chaminé em cima.
O xerife chama as autoridades estaduais, que cercam o aparelho. Ninguém ousa se aproximar até que cheguem as tropas federais. Um dos policiais comenta para outro:
― Você notou? A vegetação em volta...
― Dizimada. Provavelmente um campo magnético destrutivo que cerca o disco e...
― Não. Parece cortada a machadinha. Se não fosse um absurdo eu até diria que eles estão colhendo lenha.
Nesse instante, um segmento de um dos painéis do disco, que é todo feito de madeira compensada, é chutado para fora e aparecem três homenzinhos com machadinhas sobre os ombros. Os três saem à procura de mais árvores para cortar. Estão examinando as pernas de um dos policiais, quando este resolve se identificar e aponta um revólver para os homenzinhos.
― Não se mexam ou eu atiro.
Os homenzinhos recuam, apavorados, e perguntam:
― Atira o quê?
― Atiro com este revólver.
O policial dá um tiro para o chão como demonstração. Os homenzinhos, depois de refeitos do susto, aproximam-se e passam a examinar a arma do policial, maravilhados. Os outros policiais saem de seus esconderijos e cercam os homenzinhos rapidamente. Mas não há perigo. Eles querem conversa. Para facilitar o desenvolvimento da história, todos falam inglês.
― Vocês não conhecem armas, certo? ― quer saber um Policial. ― Estão num estágio avançado de civilização em que as armas são desnecessárias. Ninguém mais mata ninguém.
― Você está brincando? ― responde um dos homenzinhos. ― Usamos machadinhas, tacapes, estilingue, catapulta, flecha, qualquer coisa para matar. Uma arma como essa seria um progresso incrível no nosso planeta. Precisamos copiá-la!
Chegam as tropas federais e diversos cientistas para examinarem os extraterrenos e seu artefato voador. Começam as perguntas. De que planeta eles são? De Grork. Como é que se escreve? Um dos homenzinhos risca no chão: GRRK.
― Deve faltar uma letra ― observa um dos cientistas.
― O "O".
― O "O"?
― Assim ― diz o cientista da Terra, fazendo uma roda no chão.
O homenzinho examina o "O". As possibilidades da forma são evidentes. A roda! Por que não tinham pensado nisso antes? Voltarão para o Grork com três idéias revolucionárias: o revólver, a roda e a vogal. Querem saber onde estão, exatamente. Nunca ouviram falar na Terra. Sempre pensaram que seu planeta fosse o centro do universo e aqueles pontinhos no céu, furos no manto celeste. Sua viagem era uma expedição científica para provar que o planeta Grork não era chato como muitos pensavam e que ninguém cairia no abismo se passasse do horizonte. Sua intenção era navegar até o horizonte.
E como tinham vindo parar na Terra?
Pois é. Alguma coisa deu errado.
Tinham descido na Terra, porque faltara lenha para a caldeira que acionava as pás que moviam o barco. Então aquilo era um barco? Bom, a idéia fora a de fazer um barco. Só que em vez de flutuar, ele subira. Um fracasso. Os homenzinhos convidam os cientistas a visitarem a nave. Entram pelo mesmo buraco de madeira da nave, que depois é tapado com uma prancha e a prancha pregada na parede. Outra boa idéia que levarão da Terra é a da dobradiça de porta.
O interior da nave é todo decorado com cortinas de veludo vermelho. Há vasos com grandes palmas, lustres, divãs forrados com cetim. Um dos homenzinhos explica que também tinham um piano de cauda, mas que o queimaram na caldeira quando faltou lenha. Tudo do mais moderno.
― E que mensagem vocês trazem para o povo da Terra? ― pergunta um dos cientistas.
Os homenzinhos se entreolham. Não vieram preparados. Mas como a Terra os recebeu tão bem, resolvem revelar o segredo mais valioso da sua civilização. A fórmula de transformar qualquer metal em ouro.
― Vocês conseguiram isso? ― espanta-se um cientista.
― Ainda não ― responde um homenzinho ― mas é só uma questão de tempo. Nossos cientistas trabalham sem cessar na fórmula, queimando velas toda a noite.
― Velas? Lá não há eletricidade?
― Elequê?
― Eletricidade. Energia elétrica. As coisas lá são movidas a quê?
― A vapor. É tudo com caldeira.
― Mas isso não é incômodo?
― Às vezes. O barbeador portátil, por exemplo. precisa de dois para segurar. Mas o resto..."